07 outubro 2009

Além da expressão

Além da expressão - Bloco cirúrgico desativado abriga acervo da Oficina de Criatividade

Barbara Neubarth, psicóloga, uma das fundadoras, quase 20 anos atrás, da Oficina de Criatividade do Hospital São Pedro, exibe com indisfarçável orgulho as instalações que abrigam o acervo da instituição. Em velhas salas de cirurgia, há muito desativadas mas ainda sob as luminárias que se usava em exames e operações, distribuem-se milhares de desenhos, separados por datas e acondicionados em papel pardo.

Há um certo improviso e precariedade no ambiente, mas chama atenção o apuro museológico com que a equipe de catalogação trata o material – tudo quanto foi produzido pelos pacientes do São Pedro desde a fundação da oficina, em 1999, e ainda antes, no que seria o gérmen das atividades de desenho, pintura e bordado.

Barbara tomou como modelo para instalar a oficina aquilo que era feito no Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro. Buscava-se a “livre expressão” dos doentes, como apoio terapêutico. Em um diário, ela e suas colegas anotavam os avanços e recuos de cada um: “Hoje a roda se moveu”. Alguém havia experimentado uma nova cor ou mudado de tema.

Quatro pacientes, ali, logo chamaram a atenção dos funcionários: Frontino Vieira, Cenilda Ribeiro, Luiz Guides e Natália Leite. Os dois primeiros faleceram nos anos 1990. Ele deixou 560 trabalhos, de inspiração abstrata, alguns remetendo a certa estética japonesa. Ela legou mais de 2,7 mil desenhos, sobretudo de figuras humanas. Guides, que conta hoje com cerca de 85 anos (a idade é presumida), não enxerga mais tão bem, devido à catarata, e trabalha menos, mas chegou a produzir 6 mil imagens, tendo inclusive realizado uma exposição no Margs. Em sua fase mais ativa, ele dividia o papel em linhas cartesianas e preenchia o espaço com séries de números e sugestões de relógios. Natália, 66 anos, figura entre as mais assíduas frequentadoras da Oficina. Já fez mais de 5,5 mil desenhos e bordados e mantém-se em atividade. Entre seus temas recorrentes, aparecem casas, bois e papagaios.

A organização dos trabalhos desses quatro pacientes é a prioridade da equipe de catalogação. Eles foram escolhidos, segundo Barbara, pela força e pelo interesse estético que se desprendia do conjunto. Quase tudo já foi fichado e separado.

Em junho de 2010, quando a oficina completar 20 anos, Frontino, Cenilda, Guides e Natália vão merecer uma exposição – com catálogo – no Museu Universitário, no campus central da UFRGS. Na ocasião, sob o título de Vidas do Fora: Habitantes do Silêncio, também será realizado um seminário e lançado um livro.

http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2675454.xml&template=3898.dwt&edition=13260&section=999

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