24 maio 2010

Otimismo contagia (OFICINA DE ARTETERAPIA fez parte do processo!)

Saiu na CAPA do Jornal ZERO HORA do 22 de maio de 2010

N° 16343   maicon.bock@zerohora.com.br  MAICON BOCK

Serenidade de médicos e pacientes beneficia também os familiares
Noite da sexta-feira 30 de abril. Flávio Steffens de Castro, 30 anos, recebe a confirmação de que a dor que o acompanha há alguns dias é mais séria do que imaginava. Com dificuldade de percorrer as veias, o sangue havia coagulado no pé esquerdo, o que poderia acarretar consequências sérias, como o deslocamento do coágulo pela corrente sanguínea, comprometendo a circulação em veias do cérebro e do pulmão.
O diagnóstico de trombose interrompe planos imediatos – envolvia-se com os preparativos para a abertura da própria empresa, reencontraria velhos amigos em um casamento e passaria o fim de semana com a noiva –, mas não abala o humor do gerente de projetos na área de informática.
Cinco horas depois de chegar, Flávio é levado para um quarto no oitavo andar do Hospital São Lucas, na Capital. É o início de uma internação que mudaria o jeito de ver a vida
– A primeira sensação é a pior. Pensei: “Esse é o meu fundo do poço”. Mas logo busquei melhorar o humor, principalmente para acalmar meus pais – recorda.
Depois do baque, Flávio decidiu encarar a experiência como uma condição temporária. Passou a extravasar as emoções com a ajuda do inseparável computador portátil conectado a um modem 3G – foram horas a fio nessa prática sedentária que, possivelmente, contribuíram para o aparecimento da trombose.
Por meio do Twitter, o porto-alegrense expôs a rotina hospitalar em 450 microtextos (depois compilados no blog www.fuiprohospital.wordpress.com). Nem a limitação de 140 caracteres por vez foi capaz de aplacar o bom humor. Os relatos espirituosos logo atraíram a atenção de centenas de pessoas. E não faltou assunto durante o período da internação, que seria de cinco dias, mas acabou prolongado em mais 10 por causa de uma infecção.
O paciente detalhou o relacionamento com os vizinhos que se revezavam no leito ao lado (cinco no total) e a equipe médica, além das evoluções e das recaídas. Também não faltaram textos sobre a programação televisiva, a comida do hospital, a medicação e a expectativa com a alta.
Flávio passou a ver com outros olhos a atuação de médicos e enfermeiros. Ficou encantado com a forma como eles se mantêm positivos em um ambiente marcado por dor e sofrimento. Para o gerente, que agora continua o tratamento em casa, encarar a situação com alto-astral fez toda a diferença:
– O bom humor é contagiante. Ilumina o ambiente, traz novas perspectivas de encarar a vida e os problemas. Ansiedade e preocupações acabam tendo consequências diferentes. As pessoas com quem nos relacionamos são tocadas por esse sentimento e também mudam.
Acostumado ao ambiente hospitalar desde os seis anos, Eduardo Scherer, 20 anos, também é um exemplo de alto-astral em meio às adversidades. Para evitar o comprometimento dos movimentos da boca decorrentes de uma má-formação congênita no rosto, o que poderia afetar principalmente a fala, o universitário foi submetido a uma série de cirurgias, que teve início ainda na infância.
– Nunca encarei isso como um problema, nunca deixei que me atrapalhasse. Sempre tentei ver o lado bom das coisas. Existem pessoas com problemas maiores que os meus – conta.
Morador de Cachoeira do Sul, na Região Central, Eduardo é considerado um exemplo de motivação para amigos, familiares e médicos. Com o acompanhamento recebido ao longo de mais de 12 anos, conseguiu superar o problema e hoje leva uma vida normal. Cursa o terceiro semestre de Direto e faz estágio no Fórum local.
O que dizem as pesquisas
Estudo da Universidade de Negev, de Israel, divulgado na revista científica BMC Cancer, mostra que o otimismo é fator de proteção contra o câncer de mama. A pesquisa apontou que mulheres deprimidas, pessimistas e que sofrem baques emocionais, como separação ou perda de familiares, têm mais chances de desenvolver a doença em comparação às demais.
Publicada na revista americana Annals of Family Medicine, uma pesquisa revelou que homens otimistas estão mais protegidos contra doenças do coração. Cientistas acompanharam quase 3 mil homens ao longo de 15 anos e perceberam que a possibilidade de mortes por infarto ou acidente vascular cerebral (AVC) é três vezes menor entre os mais confiantes sobre sua condição de saúde.
O pensamento positivo é um aliado contra a dor nas costas, conforme pesquisa divulgada pelo Journal of the American Medical Association. Cientistas apuraram que os pessimistas que sofrem de dores lombares têm maior tendência a não realizarem atividades físicas, o que leva à piora dos sintomas. Os otimistas teriam mais chances de se recuperar por sentirem menos medo de praticar atividades nos momentos de dor
Curado, o pessimista parece continuar doente
Comprovado em estudos internacionais como fator de proteção contra enfermidades, o otimismo é o grande aliado dos profissionais da saúde que atuam em hospitais. Enfermeiros, psicólogos e médicos constatam, no dia a dia, que pacientes de bem com a vida respondem melhor ao tratamento e apresentam menos efeitos colaterais aos medicamentos.
Oncologista dos hospitais Fêmina e Moinhos de Vento, na Capital, Daniela Dornelles Rosa observa que mulheres que se preparam para enfrentar positivamente o câncer de mama têm resultados benéficos mais rápidos em comparação às menos confiantes. Segundo a médica, os efeitos colaterais e o sofrimento são menores entre aquelas que acreditam que a situação é passageira e superável.
– Mesmo curadas, algumas pessoas com uma visão mais pessimista parecem continuar doentes. Outras que ainda não terminaram o tratamento ou que têm um câncer mais avançado, muitas vezes, não parecem doentes, pela maneira como enfrentam os problemas. É bem interessante o impacto dessas diferentes visões na qualidade de vida das pacientes – diz Daniela.
O pessimismo é reflexo da personalidade, da debilidade causada pela doença e da carência emocional, entre outros fatores. Nas enfermarias, ganha espaço a psicologia hospitalar como forma de combater a negatividade e tornar mais eficientes as medidas curativas. A psicóloga Maria Estelita Gil, do Hospital São Lucas, diz que o fundamental é o profissional se imaginar na condição do paciente.
– O segredo é a empatia na relação do médico ou enfermeiro com o paciente. No momento em que ele se sente acolhido, começa a verbalizar o que sente, e isso ajuda a reforçar os pensamentos positivos – avalia Estelita, que com frequência depara com pacientes resistentes a aderir às prescrições médicas.
Nem sempre o mau humor está no paciente. Familiares, às vezes, demonstram maior abalo emocional, necessitando de suporte. Identificada a situação, os hospitais acionam áreas de apoio para suporte psicológico ou psiquiátrico, assistência social e religiosa, entre outras.
Para estimular os bons pensamentos, os profissionais se preparam e se mobilizam. No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), enfermeiros se reúnem periodicamente para avaliar o que pode ser melhorado no atendimento. As rodas de conversa no chamado Espaço da Alma se baseiam em três pilares: cuidado, saúde e espiritualidade. A enfermeira Marcia Weissheimer, que atua no bloco cirúrgico do HCPA e participa dos encontros, explica que a ideia é transmitir ao paciente uma sensação de bem-estar, que significa mais do que otimismo.
O hospital aposta em ações de relaxamento e lazer para manter o astral da equipe em alta. Por exemplo, na semana do Dia do Enfermeiro, em maio, foram promovidas atividades como massagem, dança, ioga e meditação. A iniciativa se repete em outros momentos do ano.
– Criamos um grupo de trabalho para tentar implementar isso, dentro do hospital, para os pacientes também, já que somos um centro de saúde. A ideia é integrar outras práticas relacionadas ao otimismo e à qualidade de vida que mais se encaixam para o paciente – informa Marcia.
Se você está internado
-Confie na equipe multidisciplinar que o acompanha.
-Esclareça dúvidas sobre o diagnóstico e o tratamento, evitando fazer perguntas para leigos.
-Considere suas próprias impressões e perceba se o tratamento é bom para você. Se não for, converse com os especialistas.
-Atenha-se a algo em que acredita (espiritualidade ou religiosidade) para tornar mais leve a passagem pelo hospital.
-Deixe o relógio em casa.
-Procure grupos de apoio que atuem sob supervisão de profissionais de saúde.
-Mantenha, na medida do possível e de acordo com as recomendações, suas atividades de rotina (trabalho, lazer, esportes).
-Ouça suas músicas preferidas. Preencha o tempo fazendo algo de que goste.
-Respire fundo. Viva com tranqüilidade e não leve tudo tão a sério.
-Imagine-se já em casa, retomando a rotina e bem de saúde
Se você é familiar
-Faça visitas para compartilhar algo bom: uma história divertida, uma novidade.
-Esteja presente, mesmo se quando dispor de pouco tempo.
-Deixe assuntos delicados e difíceis para depois da alta.
-Não transforme o quarto do hospital na sala de casa. Evite conversar em voz alta.
-Respeite os pacientes que dividem o mesmo quarto. Eles não são obrigados a compartilhar discussões familiares do vizinho de leito.

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