Este texto tem muita relação com o trabalho de percepção e emoção que a arteterapia consegue elaborar e sensibilizar...
A POESIA DA VIDA NOS OLHOS DO POETA E DO ARTISTA
A Complicada Arte de
Ver - Por Rubem Alves
Ela entrou,
deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em
silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus
prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os
pimentões – é uma alegria!
Entretanto, faz uns
dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes:
cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para
ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis
perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar
vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica.
De repente, a
cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista!
E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões… Agora,
tudo o que vejo me causa espanto.”
Ela se calou,
esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá
retirei as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe
disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o
que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de
água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de
poeta… Os poetas ensinam a ver”.
Uma simples cebola, um olhar na minha cuia...
uma obra de arte para ser vista!
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